domingo, 2 de setembro de 2007

Multidão Solitária - Pt. 1

Era uma sexta-feira. Ou ao menos era o que Paulo pensou quando abriu os olhos naquela manhã. Ele não sabia que seu ponto de vista não importava muito naquele momento. Olhou o relógio do celular, e constatou que se tratava mesmo de uma sexta-feira. O que Paulo não observou é que em seu país podia ser sexta, mais em outros pontos da Terra ainda não era, ou já havia sido. Apesar de não perceber que o tempo é relativo, Paulo era bem inteligente, ou, ao menos, era o que as pessoas diziam.
Paulo não se achava inteligente, vivia pensando que se fosse mesmo inteligente não estaria vivendo de forma tão medíocre como agora. Já tinha 28 anos e trabalhava como contador de um pequeno supermercado. Nunca soube exatamente como ele chegou lá, mas não conseguia ver como poderia sair. Já estava a quase 2 anos com a mesma rotina, morava em São Paulo, zona oeste, num apartamento bem compacto, solteiro, apesar de estar atualmente namorando. Milena, sua namorada, morava no apartamento ao lado, e mesmo assim, quase não se viam. Ela era simpática, já que sua aparência não era exatamente das melhores, alguns quilos acima do peso, com cabelos curtos, ruivos pintados, a cor natural parecia um tom de castanho escuro, seu rosto lembrava um pouco uma caricatura, sempre dando uma sensação de que estava sorrindo, seus olhos, que eram o que mais encantava em Milena, eram praticamente cor de mel, o que combinava com os olhos de Paulo, que tinha quase o mesmo tom, mas um pouco mais escuro. Ele não era muito diferente de Milena, era divertido, porém tinha um físico bem sem graça, cabelo curtinho, sua boca era um pouco grande, e as orelhas pareciam relativamente pequenas para sua cabeça.
A relação dos dois não estava indo muito bem, o sexo já não tinha tanta graça, e quando eles saiam sempre acabavam brigando, ainda sim estavam juntos, afinal era mais fácil aceitar a situação. Era exatamente nisso que Paulo estava pensando enquanto preparava um pão com manteiga na minúscula cozinha. O pão estava ruim, meio duro, e difícil de mastigar, Paulo associou a dificuldade de ingerir o pão com o seu relacionamento com Milena, e logo pensou que seria mais fácil se não estivesse atrasado para o trabalho, assim poderia ter ido à padaria e comprado um pão fresquinho, como ele geralmente fazia. Mas não foi, e isso lembrou que ele estava começando aquele dia de forma diferente, primeiro com a estranha sensação da sexta-feira, e agora comendo um pão desagradavelmente difícil de comer. Que péssima forma de sair da rotina, pensou.
Jogou o resto do pão na mesa e foi para o quarto se vestir. Ouviu a porta ao lado fechando e percebeu que Milena acabará de sair. O que significava que ele só tinha mais uns 10 minutos para fazer o mesmo. Terminou de se arrumar, conferiu a carteira, e apagou todas as luzes.
Eram 6h07m.
Dez minutos depois já estava esperando na estação Pinheiros. Fazia um frio típico de uma manhã desagradável. As pessoas a sua volta não pareciam estar muito mais animadas que ele. Tirou um fone do bolso e colocou no ouvido. O trem chegou logo em seguida. Paulo entrou sem pressa, sabia que a chance de encontrar um lugar para sentar era mínimo, e desejou que esse mínimo pudesse acontecer, já que não se sentia bem naquele dia. Inesperadamente, dentre tantas pessoas em pé, lá estava um acento vazio; "e não é preferência" pensou, "vou sentar".
Sentiu-se feliz pela primeira vez no dia, não ficaria mais do que 15 minutos sentado, mas não se importava com isso agora, estava mais concentrado em olhar a paisagem passando e ouvir Oingo Boingo no aparelho mp3.

Trabalhava no centro da cidade, na rua Cásper Líbero, Futurama era o nome do supermercado. Entrava às 7 horas, descia na estação Luz e caminhava poucos metros até seu destino.
O que Paulo não sabia é que aquele dia ele nunca chegaria ao seu destino.

4 comentários:

Monique disse...

Xingue Machado de Assis o quanto quiser (xingo-o eu também): mas seu estilo lembra o dele! ^^ O realismo interessante e seco que você usa para descrever dá identidade para seu texto.
Divertido... legal assistir a rotina de uma pessoa que pode ser parecida com alguém que conhecemos ou a nós mesmos e ao mesmo tempo não...
O mais intrigante de tudo, entretanto, é o que nos aguarda depois das reticências...
Estou ansiosa em descobrir!

Monique disse...

Deixa-me fazer um adendo, lembrei de uma coisa...
Você não acha que seu blog está meio entulhado de coisa, não?
Tá na hora de organizar melhor sua bagunça lateral, eu quase não acho nada nela... :P
Hehehe...

CĿεأðأαηє ✭ disse...

Mas o que é isso? Escritor agora?
Gostei muito do seu jeito de escrever... Sua concordância é boa e seu ritmo também...
E realmente tem um quê de Machado de Assis...
Mas me deixou curiosa pra saber do final..
bjos bjos

PS.: AAHH...seus videos estão travando tudo aqui... se você continuar a postar tantos videos assim eu não comento mais... =P

Renata Traça disse...

kkkkkkkkkkkkkk...Você é ótimo! Adorei o jeito que você escreveu a história, alteraria umas coisas aqui e outras ali, só para dar um ritmo mais atraente de ler...mas no geral, está ótimo mesmo!!!Uau...tinha que ser vc, Mudo!