Volta e meia coisas estranhas acontecem... Como eu escrever no celular ao invés de sentar no computador... Ou ao invés de dormir ficar aqui lendo coisas do blog...
Mas mais estranho que essas coisas é reler os dias da prova da fuvest por aqui... Bom, da primeira vez em que passei na Geo (ficaria chateado de não ter registrado minha entrada da ECA, mas de repente melhor né? Credo, que erro) pelo menos. Mas o que é estranho?
O estranho é perceber a riqueza de detalhes que me reservei a contar e de como isso trouxe uma alegria estranha... E esse fim de semana me peguei numa situação parecida, a vontade de narrar, de eternizar momentos recontando eles. Momentos que não podem ser fotografados ou filmados mas podem ser minuciosamente registrados em texto para que o cérebro consiga acessá-los novamente.
Bom, então me sinto no dever de registrar algo aqui.
Dessa vez sem enigmas, sem charadas, sem entendimentos ambíguos... Pura e simplesmente narrando, assim como aqueles dias das provas.
Em 2010 entrei como funcionário público no Instituto de Psicologia da USP, sim, exatos 10 anos atrás... E jamais imaginava como aquele lugar iria fazer parte da minha vida... Entrei como quem está passando por um processo temporário, já que sempre almejei sair da cidade e morar no exterior... Bom, não precisa falar que isso não aconteceu né... Com 33 anos, de repente, até que 10 anos nem é tanto tempo assim... Enfim... Mas o foco não é a psico, senão seriam 777 páginas só sobre as desventuras em série (infinitas séries) de lá.
Em 2010 mesmo conheci algumas pessoas lá, que me chamaram atenção... Mas nenhuma me chamou tão particular atenção quanto um emburrado pintor do serviço de manutenção chamado Antônio Carlos Corrente (aquele estranhíssimo momento em que você nunca tinha percebido muito bem o Carlos...)
No final desse mesmo ano aconteceu uma festa de confraternização, e o tal pintor estava sem o uniforme, com uma camisa polo e calça jeans, e um sorriso bem diferente da habitual cara fechada que eu via. A festa tinha uma ideia de levar um pouco da vida dos funcionários e exibir para todos, lembro até hoje de me surpreender ao ver os Dom Quixotes feitos com metais (parafusos, porcas, etc.) e pensar que no final aquela cara feia guardava uma ternura única. Lembro de ter gravado essa festa, e me segurado muito para não ficar filmando ele, para não dar na cara... Mas já naquele momento começava uma admiração que não teria fim... 2 anos depois, ainda tinha certo medo dele, aquele olhar que reparava no meu ao longo dos corredores e que muito provavelmente se irritava com minha audácia (ainda vou apanhar, pensava)... Ainda assim, e não sei exatamente com o incentivo de quem, mas criei coragem para pedir emprestado um daqueles Dom Quixotes. O motivo? Ia apresentar um seminário na ECA sobre arte e reciclagem... Lembro de ter ido pedir pra ele morto de vergonha, e, (por isso amo escrever meu deus) agora escrevendo, me recordo dele já ter entregue só pra mim aquilo que até hoje tenho como mais valioso... Seu sorriso... Verdadeiramente feliz de estar pedindo o fruto do seu trabalho, valorizando aquele punhado de alma, de tão doce confecção. Levei embora o pequeno boneco de metal e o usei na apresentação, e não devolvi até recentemente (2017 ou mesmo 18)... Tinha vergonha, aliás, passei os primeiros meses morto de vergonha, porque pensava que ele iria brigar comigo por ter "roubado" o boneco dele... Enfim o pobre coitado acabou permanecendo anos dentro da última gaveta do armário da minha mesa do trabalho... Sempre que abria e o via lá era uma mistura de alegria e culpa... Mais tempo se passou comigo acreditando que ele julgava meus olhares e se incomodava com minha insistência em observá-lo pelos corredores, até hoje não sei precisar exatamente quanto tempo depois ou quanto tempo atrás que aconteceu, mas existiu um ponto chave em meio a toda essa bagunça... O dia em que o Robson chamou eu, ele e o Paulo para almoçar no Bar do Alemão. A partir daquele dia entendi que não havia motivo para ter "medo" dele. Bom, nesse dia ele já sabia que eu tinha interesses nada dignos com ele, e parecia até ter mudado, ao invés de seguir com um olhar desconhecido, parecia me olhar com mais simpatia, ou provavelmente achando graça pela descoberta que eu, aquele menino novo e ingênuo, tinha atração por ele. Enfim no dia do almoço tudo ficou mais claro, e consegui explicitar pessoalmente que, sim, era tudo verdade, e tinha sim atração por ele. Fui correspondido apenas por um sorriso... Dias depois, ao perguntar, afinal, o que ele pensava, apenas obtive a negação, que não ligava, mas não curtia. Depois desse primeiro não, tentei parar de pensar naquilo, deixando pra lá, estava passando por tantas coisas em tantas loucuras (maioria relatadas por aqui né)... O tempo seguiu passando até que, arriscaria dizer que relativamente pouco tempo atrás, aconteceu algo de novo... Um churrasco que me convidaram para beber (Aiai, até aquele dia nem sabia o gosto de uma boa cachaça)... Quase todos já sabiam das minhas intenções nada puras com alguns "peões" do serviço, especialmente ele, o Antônio, que sempre chamei de Correntes (com s mesmo, porque achei por anos que era assim). Bebida, bagunça, pessoas me zoando... Foi a receita para algo que hoje não me orgulho muito (mas na época foi ótimo para liberar um lado que escondia, ou, porque não, reprimia)... Assediei (acho que a melhor palavra é essa mesmo) basicamente todo mundo que tava lá... Mas ao final da festa o foco recaiu totalmente no Correntes... Pedindo para que ele não voltasse para casa dele de moto, que seria perigoso, que ele fosse ao menos tomar um banho antes, que eu o ajudaria se preciso... Bom, não nego, a preocupação era real, até hoje é, mas se aproveitar da situação também era parte do plano... Não adiantou, ele foi embora... Não sem antes muito gentilmente atender meu pedido de me dar um abraço... E me falar (como um bom alcoolizado) como ele me considerava um cara legal e que gostava de mim... Tudo poderia ter acabado aí, mas na verdade foi onde começou de verdade... Primeiro, as fofocas, que apesar de se manterem singelas por tanto tempo acabam vez ou outra ganhando extraordinária força recheada de maldade, e depois, minha liberdade em traçar um percurso de quase obstinação em me aproximar dele. Tentava de toda forma me aproximar, meio que forçava a barra, e fui percebendo que se eu queria me aproximar precisava conhecer ele melhor, ouvir sua história, saber sua opinião, e com o tempo fui admirando ainda mais sua essência, fui transformando aquilo que era razoavelmente sexual e físico em admiração fraterna. No último ano passei a respeitar e zelar por ele mais do que tudo no trabalho, quase como se ele justificasse o motivo pelo qual ainda aguento o ambiente cada dia pior. O que em partes é verdade, já que sempre penso que pode ser mais um dia em que poderei ver seu sorriso... Outros churrascos vieram, aprendi a tomar Seleta, acabei com meu fígado, mas me sentia cada vez mais próximo dele, e estranhamente feliz com isso. Uma pessoa que hoje percebo mais claramente do que nunca, é a que mais me respeitou e mais me tratou bem diante dos que conheceram esse meu lado "verdadeiro"... Ao menos dentre os homens, e talvez o Gustavo, mas ele é figura fora da curva e provavelmente a pessoa mais incrível da USP, então não conta :P... Enfim, percebi dia após dia que, mesmo claramente não tendo chances de rolar qualquer coisa, eu queria estar próximo, queria compartilhar coisas com ele e fazer parte de alguma forma de sua vida. Detalhes que afastei de minha vida antiga e que me faziam bem se refletindo em seus gostos... A pescaria em contato com a natureza, o jogo de truco e bilhar que me lembravam o melhor do meu avô, o jeito simples e caipira que me lembra as músicas de raiz que tanto amo... Vários detalhes e, como diria a música brega, detalhes tão pequenos, são coisas muito grandes... E a grandeza dos meus sentimentos não pararam... E enfim no fim desse ano, tentei mostrar meu sentimento de modo mais ousado do que propostas indecentes ou indiretas safadas... Com a ousadia de uma mensagem de carinho... Num cartão, junto ao seu presente de aniversário... Não sei se isso ajudou ou não, mas o fato é que no maior ato sincero que consegui ter, disse que para mim o melhor presente era seu sorriso. E ao escrever isso percebi para mim mesmo que era verdade, e para mim bastava velo sorrindo... Desde então parece que ele passou a me presentear mais, e como gosto de ver aquele sorriso, como seus olhos e seus dentes me hipnotizam com uma sensação de paz e tranquilidade. A vontade contida de acariciar seus cabelos e lhe abraçar por longos minutos. O carinho de seus gestos ao se preocupar com pequenas coisas, como a felicidade em me ajudar com a moto, que tanto me aproximou e culminou nesse dia tão feliz que foi a última sexta. Pois foi nessa sexta, depois de longos 10 anos, que finalmente tive a oportunidade de sair da USP e ter alguns minutos como um verdadeiro amigo dele. Que ele finalmente confiou no meu carinho e respeito e aceitou sair para beber comigo. Um dia que acabou se tornando um dos mais felizes da minha vida... Desde a incredulidade quando ele disse que tudo bem sair para beber, até a mensagem perguntando se eu tinha chegado bem. Seguir ele com a moto, parar ao lado dele no semáforo e poder contemplar seu sorriso semivisivel pelo capacete, enquanto escutava que estava pilotando muito bem já... As músicas escolhidas no celular para tocar enquanto bebiamos cerveja (e aja Chão de Giz na minha vida) seus toques rápidos, suas histórias de vida, sua preocupação enfim revelada sobre o que falavam de nós... Cada segundo daquele dia podia ser transfigurado em matéria, podia adquirir o sentido de eternidade e poder ser revivido para sempre... E mesmo não devendo, mesmo querendo evitar... Não pude deixar de alimentar a esperança de ter mais dias assim, de ter mais possibilidades de passar momentos como esse, ridiculamente mundanos, estupidamente medíocres, mas incrivelmente mágicos. Exatamente como acredito que o que de mais especial seja... Simples, bruto, natural, comum... Então espero que ninguém leia isso, ou pelo menos se ler que não aumente fofocas ou use contra mim ou contra ele, pois só quero registrar isso aqui para que um dia eu saiba, ou qualquer outro, que em momento da vida precisei parar de guardar isso pra mim e compartilhar com todos que aprendi uma nova forma de amar, algo estranhamente deslocado de um simples amor platônico... Um amor que se encerra na simples presença, no simples convivio, e que não precisa de mais nada para perdurar senão um sorriso. Talvez no final nunca precise de cadeado, pois não há motivos para trancar uma corrente que existe para libertar.